quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Miguel Esteves Cardoso - Para a Minha Mulher


Para a Minha Mulher

Desde que a Maria João casou (oficialmente) comigo há treze anos, damos por nós a casarmo-nos um com o outro, voluntária ou involuntariamente, várias vezes por dia.

Vou contar só uma. Esta semana, quando voltávamos da praia, a Maria João estava a pentear-se e deu-me uns cabelos soltos para eu deitar pela janela do carro. Tive ciúmes que alguém pudesse apanhar os lindos cabelos dela e disse-lhe. Dei-lhes um beijinho e atirei-os ao vento. E a Maria João disse: «Agora tenho eu ciúmes que alguém apanhe o cabelo com beijinhos teus».

Casámos um com o outro nesse momento. Já tínhamos casado cinco vezes na praia. Casar é o que acontece quando duas pessoas descobrem que, por estarem a fazer ou terem feito uma coisa grande ou pequena, são as duas únicas pessoas no mundo. Todas as outras pessoas não podem fazer parte daquele prazer. Aquele prazer só é possível para duas pessoas concretas: ela e eu.

À nossa volta casavam-se muitas outras pessoas, casando-se mais por nós estarmos de fora, juntamente com todas as outras. Às vezes somos nós os espectadores. Vemos outras pessoas a casarem-se: um homem a rir-se leva uma mulher a rir-se nos braços pelo mar adentro e não a deixa cair até ela pedir. Há cuidado, medo de desiludir, protecção, ternura e vontade de agradar. Depressa percebemos que estão a rir-se juntos, de uma coisa a que só eles acham graça, que é rirem-se os dois de uma mesma coisa.

Casa comigo hoje, Maria João, meu amor. Vez após vez.

Miguel Esteves Cardoso, in 'Jornal Público (30 Set 2013)'
 
retirado de Citador

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